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Autor do Mês - Fevereiro 2011

Sophia de M. Breyner Andresen

Sophia é uma forma absoluta de estar no mundo à espera das coisas belas. Cresceu entre rosas nocturnas e manhãs de mar. Escreveu desde o princípio. Lutou com a palavra, quando foi preciso. Não teve medo. Continuamos a aprender com ela. Após o casamento, fixa-se em Lisboa, passando a dividir a sua actividade entre a poesia e a actividade cívica, tendo sido notória activista contra o regime de Salazar. A sua poesia ergue-se como a voz da liberdade, especialmente em O Livro Sexto. Foi sócia fundadora da “Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos"e a sua intervenção cívica foi uma constante, mesmo após a Revolução de Abril de 1974, tendo sido Deputada à Assembleia Constituinte pelo Partido Socialista.  Profundamente mediterrânica na sua tonalidade, a linguagem poética de Sophia de Mello Breyner denota, para além da sólida cultura clássica da autora e da sua paixão pela cultura grega, a pureza e a transparência da palavra na sua relação da linguagem com as coisas, a luminosidade de um mundo onde intelecto e ritmo se harmonizam na forma melódica, perfeita,  do  poema.  Luz,  verticalidade  e  magia estão,

aliás, sempre presentes na obra de Sophia, quer na obra poética, quer na importante obra para crianças que, inicialmente destinada aos seus cinco filhos, rapidamente se transformou em clássico da literatura infantil em Portugal, marcando sucessivas gerações de jovens leitores com títulos como O Rapaz de Bronze, A Fada Oriana ou A Menina do Mar. Sophia é ainda tradutora para português de obras de Claudel, Dante, Shakespeare e Eurípides, tendo sido condecorada pelo governo italiano pela sua tradução de O Purgatório. Foi agraciada com vários prémios, mormente o Prémio Camões, em 1999.

As rosas

Quando à noite desfolho e trinco as rosas

É como se prendesse entre os meus dentes

Todo o luar das noites transparentes,

Todo o fulgor das tardes luminosas,

O vento bailador das Primaveras,

A doçura amarga dos poentes,

E a exaltação de todas as esperas. A doçura amarga dos poentes,

E a exaltação de todas as esperas.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen

“Dia do Mar “(1º ed. ,Ática, 1947, incluído no vol. I da Obra Poética, ed. Caminho)

Era mesmo assim, como no primeiro verso deste poema: noite escura, a jovem Sophia saía para o jardim da avó, semi-abandonado, colhia braçadas de rosas e trazia-as para casa. Punha-as numa jarra, frente à janela do seu quarto. E, enquanto escrevia, desfolhava-as e trincava-as. Não é preciso perguntar porquê: o poema diz.

Foi no Porto que nasceu, na Quinta do Campo Alegre, a 6 de Novembro de 1919,  numa casa grande, sempre cheia de irmãos - João Henrique, Thomaz e Gustavo - , de primos - entre eles, Ruben A. -, de tios, de avós, rodeada de um parque enorme, tão grande que se podia caçar. O pai de Sophia, João Henrique, como todos os filhos primogénitos da família Andresen, caçava. As crianças andavam d bicicleta e aprendiam pássaros, árvores e flores. O nome Andresen vem do bisavô Jan Henrik, dinamarquês chegado ao Porto nos anos de Oitocentos  para bem se suceder em negócios de navegações e vinhos. Mas foi com o avô Thomaz, do culto e aristocrático lado Mello Breyner, que Sophia entrou na poesia, antes ainda de saber ler. Dizer de cor poemas de Camões ou de Antero era tão natural como passear num bosque, ou tomar banho no mar. A isto, Sophia chamou uma "relação vital" com a poesia. O mar era nas férias e as férias grandes eram a Granja, a praia ao lado de Espinho onde os Mello Breyner Andresen alugavam uma grande casa branca todos os anos. Abria-se a porta da sala e era a areia. É dos dias luminosos na praia que vem essa "coisa mais antiga" de que Sophia se lembra: "uma grande maçã vermelha" pousada em cima da mesa num quarto aberto para o mar. Uma felicidade "nua e inteira" invocada num belíssimo texto que leu em 1964, na entrega do Prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores a Livro Sexto. Aos doze anos já escrevia mais do que lia. Quando a mãe, Maria Amélia, grande leitora, a repreendia por não ler mais, Sophia observava: "Sou escritora, não leitora." Porque não há tempo para tudo e é preciso estar livre para olhar, para saber. Sophia sempre o soube e de acordo com isso viveu, diante desse real de mistério e maravilha que toda a poesia - acreditava ela - procura revelar. Entre um Verão e outro Verão  estudava no Colégio do Sagrado Coração de Maria, no Porto, onde esteve entre os sete e os 17 anos, até ingressar na Faculdade de Letras de Lisboa, em Filologia Clássica. Desistiu nos primeiros anos e voltou para o Porto. Foi ainda no Porto, em 1944, que publicou o seu livro de estreia, Poesia, numa edição de 300 exemplares paga por seu pai.

Como Jorge de Sena, Ruy Cinatti foi um dos grandes amigos de Sophia. Já casada com Francisco Sousa Tavares e a viver na casa da Travessa das Mónicas, a poeta recorda - num texto belíssimo - como uma madrugada, depois de um espectáculo, ao chegarem a casa encontram Cinatti, sentado no chão com uma arca aberta, rodeado das cinco crianças - os filhos de Sophia: Isabel, Maria, Miguel, Sofia e Xavier -, a desdobrar histórias e máscaras e tecidos de Timor. Era assim a casa das Mónicas nesse tempo antes da revolução: poetas, pintores, figuras da oposição, entravam às horas mais bizarras, recitavam-se poemas, conversava-se madrugada fora, contra as horas obscuras da ditadura. E no centro de tudo, Sophia, a que esperava "o dia inteiro e limpo", que havia de vir. E veio. E no primeiro 1º de Maio que os portugueses puderam celebrar juntos em liberdade, Sophia disse: “A poesia está na rua”. Sophia, que em 1956 publicara "Mar Novo" como uma resposta poética contra o afastamento do Projeto "Mar Novo" do seu irmão arquitecto João Andresen, que em 1958 apoiara Humberto Delgado, que participara na redacção de vários libelos contra o regime, estava entre os que não tinham medo. Porque era assim - explicou ela uma vez - que, então, as pessoas se dividiam: os que tinham medo e os que não tinham.

 

Bibliografia Activa

Poesia:

Poesia, 1945; O Dia do Mar, 1947; Coral, 1950; No Tempo Dividido, 1954; Mar Novo, 1958; Livro Sexto, 1962; O Cristo Cigano, 1961; Geografia, 1967; Grades, 1970; 11 Poemas, 1971; Dual, 1972;  Antologia, 1975; O Nome das Coisas, 1977; Navegações, 1983; Ilhas, 1989; Musa, 1994; Signo, 1994; O Búzio de Cós, 1997; Mar, 2001 (antologia organizada por Maria Andresen de Sousa Tavares); Primeiro Livro de Poesia (infanto-juvenil), 1999. Orpheu e Eurydice, 2001.

 

Poemas não incluídos na Obra Poética:

"Juro que venho para mentir"; "És como a Terra-Mãe que nos devora"; "O mar rolou sobre as suas ondas negras"; "História improvável"; "Gráfico", Távola Redonda - Folhas de Poesia, nº 7, Julho, 1950.

"Reza da manhã de Maio"; "Poema", A Serpente - Fascículos de Poesia, nº 1, Janeiro, 1951.

"Caminho da Índia", A Cidade Nova, suplemento dos nº 4-5, 3ª série, Coimbra, 1958.

"A viagem" [Fragmento do poema inédito "Naufrágio"], Cidade Nova, 5ª série, nº 6, Dezembro, 1958.

"Novembro"; "Na minha vida há sempre um silêncio morto"; "Inverno", Fevereiro - Textos de Poesia, 1972.

"Brasil 77", Loreto 13 - Revista Literária da Associação Portuguesa de Escritores, nº 8, Março, 1982.

"A veste dos fariseus", Jornal dos Poetas e Trovadores - Mensário de Divulgação Cultural, nº 5/6, 2ª série, Março/Abril, 1983.

"Oblíquo Setembro de equinócio tarde", Portugal Socialista, Janeiro, 1984.

"Canção do Amor Primeiro", Sete Poemas para Júlio (Biblioteca Nacional, cota nº L39709), 1988.

"No meu Paiz", Escritor, nº 4, 1995.

"D. António Ferreira Gomes. Bispo do Porto"; "Naquele tempo" ["Dois poemas inéditos"], Jornal de Letras, 16 Jun., 1999.

 

Prosa (Contos):

O Rapaz de Bronze, 1956; A Menina do Mar, 1958;

A Fada Oriana, 1958.; Noite de Natal1960.;Contos Exemplares, 1962.; O Cavaleiro da Dinamarca, 1964; Os Três Reis do Oriente, 1965; A Floresta, 1968; Tesouro, 1978; Contos, 1979; Histórias da Terra e do Mar, 1984; A Árvore, 1985; Era Uma Vez Uma Praia Lusitana, 1997.

 

Ensaio:

“A poesia de Cecíla Meireles", Cidade Nova, 4ª série, nº 6, Novembro, 1956; "Poesia e Realidade", Colóquio - Revista de Artes e Letras, nº 8, 1960; "Hölderlin ou o lugar do poeta", Jornal de Comércio, 30 de Dez., 1967; O Nu na Antiguidade Clássica, (col. O Nu e a Arte) Lisboa, Estúdios Cor (2ª ed., Lisboa, Portugália; 3ªed. [revista], Lisboa, Caminho, 1992), 1975; "Torga, os homens e a terra", Boletim da Secretaria de Estado da Cultura, Dezembro, 1976; "Luís de Camões. Ensombramentos e Descobrimentos", Cadernos de Literatura, nº 5, 1980;

"A escrita (poesia)", Estudos Italianos em Portugal, nº 45/47, 1982/1984.

 

Teatro:

O Bojador , 2000; O Colar, 2001.

 

Tradução:

A Anunciação de Maria (Paul Claudel) – 1960; O Purgatório (Dante), 1962; A Hera, A última noite faz-se estrela e noite (Vasko Popa); Às cinzas, Canto LI, Canto LXVI (Pierre Emmanuel); Imagens morrendo no gesto da, Gosto de te encontrar nas cidades estrangeiras (Edouard Maunick), O Tempo e o Modo, 1964. Muito Barulho por Nada (William Shakespeare), 1964; Medeia (Eurípides), 1964Hamlet (William Shakespeare), 1965;  "Os reis Magos", tradução de um poema do Eré Frene, Colóquio - Revista de Artes e Letras, nº 43, 1967, Quatre Poètes Portugais (Camões, Cesário Verde, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa), 1970; A Vida Quotidiana no Tempo de Homero, de Émile Mireaux, 1979; Ser Feliz, de Leif Kristianson, 1980;  Um Amigo, de Leif Kristianson, 1981; Medeia, de Eurípides, 1999.


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